Pintomeira com a fotografia
É remoto o Verão de 1826.
Mas a janela do sótão de Nièpce continua escancarada, cintilante de um espírito
nómada do pensamento, que tropeça na objectiva do Autor.
Quando Pintomeira me
interpela para fazer um texto para a sua exposição da sua obra fotográfica, tal
como num clic, inundam-me a mente : humildade, desenhar com luz e terminologia.
Para os que têm
acompanhado a obra do Autor, quiçá, também para os que desafiamos a fazer esse
exercício, saberão que o imagético das Artes nasceu, visceralmente, para
Pintomeira no Cinema, com particular destaque na Fotografia, de onde decorre
para a Pintura.
Este “retrocesso”, não é
mais do que uma atitude reveladora de um exíguo contador de estórias, num
pretexto para redescobrir discursos inusitados e silenciosos, que pressupõem
confessante arte de evoluir, enraizando o fulgor do desdobramento. Enriquece-se
e enriquece-nos, num propósito austero, mas não caustico, de resgatar novas
linguagens que capacitam novos mundos, tantas vezes ignorados.
Desenhar com luz
remete-nos à Antiguidade, aos tempos de Aristóteles, quando químicos e
alquimistas buscavam fenómenos de produção de imagens. Diz-se, no entanto, que
o mais antigo esquema de uma câmara é de origem árabe.
“Se a luz é a matéria
prima da fotografia, o tempo é a sua alma, tal como nos define Dante
Gastaldoni. E acrescenta:” Em um dos possíveis percursos o foco estará no tempo
cronológico, centrando em alguns momentos cruciais da história da fotografia e
seus desdobramentos económicos e estéticos. Outro caminho, o do tempo
fragmentado, permitirá discorrer sobre a especificidade da linguagem
fotográfica, quando comparada às demais expressões artísticas engendradas pelo
espirito humano. Um último trajecto, o do tempo social, percorrerá, a passos
largos, a relação entre ideologia e fotografia, de modo a constatar a substancial
mudança que os últimos 170 anos imprimiram na face do mundo, configurando o que
Roland Barthes classificou como a Civilização da Imagem.
A história da fotografia
conta com distintos precursores. Alhazen, no séc. X, Ângelo Sala no séc. XVI,
Shulze e Wilhelm Scheele no séc. XVIII ou ainda Thomas Wedgwood no séc. XIX são
nomes a reter. Mas é em 1839 que Louis-Jacques Mandé Daguerre, pintor,
cenógrafo e pesquisador, apresenta na Academia de Ciências e Belas Artes de
Paris, o seu invento, a 19 de Agosto, cuja data hoje se celebra como o Dia
Internacional da Fotografia.
No que concerne à
terminologia discorre-me parafrasear Marina Takami:”A produção artística actual requer uma revisão das terminologias e das
formas de abordar o objecto. Os limites que separavam as diferentes linguagens
foram diluídas. A imagem fotográfica tem presença marcante na produção da arte
contemporânea. Neste sentido é relevante que as discussões alcancem fronteiras
mais amplas das Artes visuais”.
Mas, é a partir do séc.
XVI que a fotografia ganha notoriedade entre pintores, nomeadamente a partir de
Leonard da Vinci. Ao longo dos tempos e até à contemporaneidade a pintura e a
fotografia têm habitado territórios de verosimilhança.
Se Van Gogh vezes
bastantes dizia: “procuro pintar o
retrato das pessoas como eu as sinto e não como as vejo”, também a obra de
autores como Monet, Renoir, Picasso, Dali ou Miró define bem que a pintura
jamais será a mesma depois de Daguerre. Por outro lado, é também de particular
significância o trabalho dos pictorialistas.
Mas o seu reconhecimento
académico haveria de acontecer 400 anos depois, quando a Universidade de
Londres inclui esta disciplina no seu currículo. Para tal muito contribuiu o
livro “Photographie et Société, da autoria da alemã Gisèle Freund, considerado
um clássico, no âmbito da fotografia.
Hoje, legitimamente, a
fotografia ocupa o seu lugar de estatuto, com carácter artístico assegurado.
E, tal como Pintomeira,
muitos têm sido os pintores e fotógrafos que têm cruzado caminhos plurais, em
ambos os domínios estéticos.
Sabendo que o modo de
produções dos signos afecta os próprios processos do conhecimento, a
experiência estética é um imperativo.
Assim se inscreve a
interjeição da percepção do olhar que habita em nós, que só a Arte Contemporânea
nos confere, neste desafio tão intenso, tão sensível e tão inteligente, nas
diversas modalidades da inteligência.
É a este desafio mais que
o Autor nos convida.
Guida
Maria Loureiro
Curadora